O CETICISMO NA POESIA DE CLODOALDO CARDOSO


“Que eu me estafe a correr pela rima impecável,

Pela frase sutil, pela forma que à Ideia

Dá roupagens, beleza, e uma graça perene”.

C.C.

 

 

Clodoaldo Cardoso nasceu em Barra do Corda, Maranhão, no dia 7 de agosto de 1894. Vai fazer sua estreia poética, em livro, em 1926 e, semelhantemente aos demais poetas de sua geração, cultiva a musa parnasiana, com poemas de estrofes variadas, dando primazia ao soneto alexandrino, sempre com a preocupação da rima e metrificação. Admirador de Bilac, vai seguir as pegadas do mestre, assimilando “o lutar – que em tortura redunda – pelo verso perfeito e brilhante”, de preferência “à leveza infecunda do rimar sem trabalho”. Carlos Reis, prefaciando o “Florões”, percebe seu “anseio torturante de perfeição”, enquadrando-o numa fase de transição a que alguns chamam de neoparnasiana, mas sem característica definida. Por outro lado, Clovis Ramos, para quem os “parnasianos do Maranhão” foram, em verdade, “uns românticos”, o situa entre os poetas que “foram, principalmente, líricos”, “no melhor romantismo” tradicional “da nossa raça amorosa e triste”, de que são testemunho os poemas “Rosa”, “Solicitude”, “Ausência” e “Prece”, para ficarmos apenas nos sonetos. O certo é que o pessimismo schopenhaueriano atingirá marcadamente sua temática, aprofundando-se em tons de considerações filosóficas. A Clodoaldo interessava mais a subversão iconoclástica, seguida da provocação por meio do ceticismo religioso e do sacrilégio.

Uma das expressões mais fortes da geração a que pertenceu, Clodoaldo Cardoso teve grande atividade intelectual no Maranhão, participando de sua vida jornalística. Em São Vicente Ferrer, funda, com Acrísio Figueira, o jornal “O Cruzeiro”, destinado “à defesa dos interesses gerais daquela futurosa cidade”[1], onde foi também professor e coletor, ofício que também exerceu em Coroatá, Passagem Franca e Caxias. Nomeado 1º Tabelião de notas e anexos do termo de Pinheiro[2], onde também foi redator do “A Cidade de Pinheiro” e desempenhou a função de Auxiliar do Intendente. Pertenceu à Academia dos Novos, empossado em 1930, ao lado de Nicanor Azevedo, Souza Bispo e outros. Bacharel em Direito pela Faculdade do Piauí,em 1936,foi consultor jurídico da Associação Comercial do Maranhão,advogado do Banco do Brasil[3], membro do Diretório Regional de Geografia e Estatística do Estado[4] e secretário do Departamento da Fazenda, quando Paulo Ramos era Interventor Federal.

Pessedista rubro, foi nomeado prefeito interino de S. Luís, em 7 de julho de 1937[5]. Procurador Geral do Estado, Secretário de Finanças e membro do Conselho Diretor da Fundação Universidade do Maranhão, chegando a presidi-lo. Sócio honorário da UNITER, sócio correspondente da Academia Fluminense de Letras e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão.


    Fundador da Cadeira nº 23 da Academia Maranhense de Letras, chegou a presidi-la em sucessivas reeleições, desde 1947, como prova do largo e merecido prestígio de que gozava entre seus pares. Jomar Moraes diz que, “na presidencia de Clodoaldo Cardoso, deu-se o processo de revigoramento da Entidade”[6].

Faleceu em São Luís no dia 5 de março de 1970.

Na Academia Barra-Cordense de Letras, é patrono da cadeira nº 5, atualmente ocupada pelo economista e poeta Mário Hélder Ferreira.

Deixou publicados trabalhos tais como:

·        “Florões”, poemas – S. Luís, 1926;

·        “Regulamento do Imposto de Vendas e Consignações”, S. Luís, 1938;

·        “Pastos Bons”, monografia – Rio, 1947.


Capa do livro de estreia de Clodoaldo Cardo
publicado em 1926



Alguns poemas de Clodoaldo Cardoso


MAR TEMPESTUOSO

 

Ergue-se a tempestade. O velho mar, gemendo,

Contempla com furor a sombra do infinito.

De praia em praia bate. As vagas vão morrendo

De encontro a penedia enorme de granito.

 

Detrás da serrania, o sol vai-se escondendo...

Que tarde tormentosa! O furacão maldito,

Perpassa pelo azul, e o velho mar gemendo,

Agita-se chorando austero como um mito!

 

Oh! velho mar gigante! Oh! velho mar infindo!

Das portas do Infinito, a noite vem saindo!

Guiada pelo vento, assim, tão furibundo...

 

A dor que te persegue é grande como o mundo!

Em ti, é grande a dor, oh! mar que sofres tanto,

O Infinito a povoar das bagas do teu pranto!

 

                                                                       (In Sonetos Maranhenses/1923)

 

 

 

ETERNA DÚVIDA

 

Haverá dentro em mim, dentro desta matéria

Que palpável me torna, algo de luz? Não creio!

Mas, se é certo que brilha uma faísca etérea

No intimo do meu ser, de onde foi que ela veio?

 

O corpo humano é um livro em que de há muito eu leio.

Conheço-o fibra a fibra, artéria por artéria,

Mas nunca encontrei nele o misterioso seio

Em que cintila dalma a nívea luz sidérea.

 

Onde se oculta, pois, a que é que se assemelha

Essa luz, essa chama, essa imortal centelha

Que se supõe brilhar dentro de todos nós?

 

Pergunto em vão, porque ninguém responderá.

Quem foi que a viu jamais? Quem sabe onde ela está?

Quem não trará consigo esta incerteza atroz?

 

 

ROSA

 

Rosa no nome e sobre o colo. Rosas

Também toucando a cabeleira linda;

Rosas nas faces juvenis, formosas,

E na boca em botões, rosas ainda.

 

Na tez, o róseo das manhãs radiosas

De abril. Rosas de luz na graça infinda

Do seu olhar angelical. E rosas

No busto escultural que em rosas finda.

 

De rosas a existência inda em botão.

Rosas de amor dentro do coração,

E nalma rosas célicas se abrindo.

 

E assim, rosas nas faces cetinosas,

Rosas na boca, e sobre o colo, rosas,

É Rosa inteira, um roseiral florindo.

 

 

 

CRENÇA ILUSÓRIA

 

Esse Cristo de amor, essa criatura aérea

E imensamente boa, esse profeta loiro,

Que brilha qual um sol, na vastidão sidéria,

Na célica amplidão da tua crença etérea

Por entre pompas d’astro e envolto em nuvens d’oiro;

 

Esse deus nazareno, esse rabi lendário

De fronte sonhadora e olhar no vago fito,

Que desde a tua infância impera solitário

No teu virgíneo peito – esse ideal sacrário

Feito de lascas d’oiro e chispas do Infinito;

 

Esse deus compassivo, essa criatura loira

Que a lenda fez nascer numa remota era,

Pastores, anjos, reis, a própria manjedoira

E tudo quanto mais a história santa doira

São, pura e simplesmente, uma ideal quimera!

 

 

 

MAGDALA

 

“Digamos, contudo, que a imaginação de Maria Madalena desempenhou, nesta circunstância, um papel de primeira ordem. Divino poder do amor! Momentos sagrados em que a paixão de uma alucinada dá ao mundo um deus ressuscitado!”

 

Renan – Vida de Jesus

I

 

Na urna tumular, mãos caridosas

Que não receiam que Caifás se zangue,

Recolhem de Jesus o corpo exangue

Envolto em linho rescendendo a rosas.

 

É sexta-feira. O outro dia em langue

Postura, as multidões passam piedosas

Orando e digerindo, respeitosas,

Do cordeiro pascal a carne e o sangue.

 

Domingo. Antes que o sol radioso e belo

Desponte sobre os cimos do Carmelo

E o vale do Cedron beije amoroso,

 

Curvada à dor que o coração lhe estala,

Ao túmulo de Cristo vai Magdala

E ao corpo do rabi dá novo pouso.

 

 

II

 

Por fim, Jerusalém, calma e risonha,

Desperta alegre, sem pavor nem susto,

Enquanto as tropas de Tibério Augusto

Dão guarda regular à torre Antônia.

 

Já nada lembra a execussão medonha

De sexta-feira, sobre o monte adusto...

E o Sumo Sacerdote mais robusto

No seu poder, onipotente, sonha.

 

Os que trilharam de Jesus o rumo,

– A estrada da Paixão talhada a prumo

Pela escalvada encosta do Calvário,

 

Escondem-se fugindo dos maus-tratos

Das centúrias romanas de Pilatos

E da nefanda guarda do Sacrário.

 

 

III

 

No entanto, um sonho colossal, fecundo,

Cuja grandeza a Eternidade escala,

Aflora nalma ardente de Magdala

E a própria Roma há de assombrar a fundo.

 

Movida sempre pelo amor profundo

Que ainda sente por Jesus, a embala,

A rútila esperança que ela cala,

De erguê-lo além das glórias vãs do mundo.

 

E grande, imensa, despresando insídias

Do sacerdócio, inda maior que Fídias

Minerva cinzelando em pedra morta,

 

Deixa a Betânia, e errando de horto em horto,

Reúne amigos do profeta morto

E os leva, após, do seu jazigo, à porta.

 

IV

 

Do grupo humilde, maltrapilho e rude,

Magdala, a frente, imperturbável toma,

E quando ao sítio funerário assoma,

Lhe mostra a tumba com solicitude.

 

Deserta está! Pavor imenso doma

Aquelas almas simples que a virtude

Perfuma. A deserção do corpo ilude

O grupo, que o caminho, então, retoma.

 

“Ressuscitou!” gritam de quando em quando,

O cristianismo, sem o saber, fundando,

Aqueles bons e humildes galileus.

...................................................................

Prodigio colossal! Paixão sagrada!

– Amor de uma mulher alucinada

Que ao mundo outorgou, para sempre, um Deus!

 

 

 

SANTA HELENA

 

Ruas, aqui, sem nome; ali, desertas

Praças. A igreja pequenina e branca.

Por toda parte, em decadência franca,

Humílimas cabanas descobertas.

 

Aqui, vestígios de um jardim. Ruínas

Ali, de uma vivenda; além, o rio

Passa a rolar, num triste murmúrio,

Moroso e manso, as águas cristalinas.

 

Não longe, à sombra hospitaleira e enorme

De milenárias árvores, tristonho,

Pequeno e humilde, o cemitério dorme.

 

Em torno da floresta o verde cinto...

E sobre tudo, um não sei quê de sonho,

A mudez tumular de um templo extinto!

                                                          

                                                                       (Florões/1926)

 

SONETO

 

Para as searas da Fé, tinha, de certo,

A mônada ancestral de que procedo,

A dureza granítea do rochedo

Ou a esterilidade do deserto.

 

E está nisto, talvez, todo o sagrado

De eu crer somente no que apalpo e aperto.

Teu próprio Deus eu o considero incerto...

Nele só vejo a máscara do medo.

 

Nas profundezas do meu ser, tristonha,

A alma de Antero filosofa e sonha

Na angústia de uma dúvida infinita.

 

E nos meus centros cerebrais, inquieto,

Schoupenhauer, talvez... talvez Hamleto

Ou Frederico Nietzche medita.

 

 

                                               (Jornal Pacotilha/São Luís/11-11-1929)



[1]Pacotilha, S. Luís, 19.mar.1927, p.4.

[2]Pacotilha, Maranhão, 26.ago.1914, p.4.

[3]Maranhão, S. Luís, 16.out.1949, p.3.

[4]O Combate, Maranhão, 25.jun.1946, p.4.

[5]O Combate, Maranhão, 7.jul.1937, p.4.

[6]Academia Maranhense de Letras. Perfis Acadêmicos. Edições AML, 2ª ed., 1987, p.9.


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