O PRIMEIRO 7 DE SETEMBRO FESTEJADO EM BARRA DO CORDA
O primeiro 7 de Setembro de que se tem
registro, havido em Barra do Corda, remonta
à segunda metade do século XIX, em pleno Segundo Reinado. O jornal maranhense “A
Nova Época”, nº 139, Ano III, de 14 de outubro de 1858, p. 3-4, nos dá uma descrição
detalhada desse evento memorável, por sinal bastante concorrido:
“Corria o mês de agosto pretérito,
quando reunidos os tabeliães deste termo, Antônio Gonçalves de Abreu e Pedro
Alexandrino Gualberto de Macedo Leão, em casa do primeiro, para acordarem sobre
o modo de festejarem o dia 7 de Setembro, aniversário da Independência do
Império, resolveram reunir alguns amigos a fim de orçarem as respectivas
despesas e subscreverem para elas; e, achando os ânimos dispostos, assentaram o
seguinte programa:
Que ao romper da aurora fosse o dia 7
de Setembro saudado com 21 tiros pelo destacamento desta Vila; que às 6 horas
da manhã desse dia, ao som de estrepitosos foguetes e de hinos respectivos, se
arvorasse em frente da igreja Matriz, o Pavilhão nacional; que na igreja do
lado do evangelho se elevasse um trono para ser colocado um retrato do Senhor
D. Pedro II, que possui o tabelião Abreu; que à frente da igreja se iluminasse
sistematicamente, em cujo centro sobressaísse um transparente em que se lesse a
entusiástica legenda – VIVA O DIA 7 DE SETEMBRO! E, finalmente, que no adro da
igreja fossem esteticamente plantados pés de [sic], para comporem uma ramada.
Era o dia 28 de agosto, em que o
festejo foi assim delineado. Para logo desenvolveu-se em muitos corações
barrenses o ardor patriótico, de tal sorte que era um fervet opus.[1]
Chegado que foi o grandioso dia 7 de
Setembro, desde o romper d’alva que se começou a cumprir as disposições do
programa acima. Às 5 horas da tarde, hora destinada de combinação com o Ver.
Vigário, teve lugar o Te-Deum[2]
e mais cerimônia religiosa; finda a qual, à porta da igreja, diante de imenso
povo e do destacamento, que estava formado à esquerda dela, o tabelião Abreu
proferiu o seguinte e enfático
DISCURSO
‘Brasileiros! Foi no dia 7 de Setembro
de 1822, sobre as margens do Ipiranga, que um anjo do Céu inspirou nos corações
patrióticos, o brado que ecoou de Independência ou morte; e com tal magia, que
repercutiu do sul ao norte! Foi no dia 7 de Setembro, que S. M. I., o Senhor D.
Pedro I, de saudosa memória, anuiu aos desejos dos brasileiros mais ilustrados,
dos Apóstolos das liberdades pátrias; e este dia marca a era gloriosa da
Independência do Brasil! Foi no dia 7 de Setembro que, refazendo-se a
tempestuosa nuvem com que o despotismo e a opressão enegrecia o horizonte
brasileiro, sucedeu a risonha e aurifagueira aurora da liberdade!
Fazem, pois, trinta e sete anos, que
fomos regenerados do hórrido e ferrenho europeu! Desse cativeiro!... Trinta e
sete anos são passados, que o ignominioso grilhão que nos arrochava os livres
pulsos, foi lançado à face do opressor; cujo grilhão, o elo terrível, sendo
quebrado e despedaçado pelo valor de nossos patrícios, sua torpe e hedionda
marcha foi lavada com o próprio sangue de nossos inimigos!...
Esse monarca brasileiro, que por ouvir
os brados de seu coração, abnegou a pátria em que nasceu para ser nosso, já não
existe; subiu à mansão dos anjos no dia 24 de setembro de 1934! Mas, para penhor
do seu amor e dedicação à sua nova Pátria, nos deixou a sua sagrada, o Senhor
D. Pedro II, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, que entre
os demais soberanos do mundo, é o padrão de glória das monarquias, por sua
sabedoria e magnanimidade!
Eia, pois, brasileiros, unamos nossos corações patrióticos; unamos nossas vontades; e, seja nosso pensar, e nosso dever, amar a Pátria, respeitar a Religião e as Leis, e defender a Monarquia!...’
Em seguida, o tabelião Macedo Leão recitou a seguinte
POESIA
“De setembro o dia Sete
Despontou
no oriente,
Dando
ao povo brasileiro
Renome
de Independente!
Bradai,
povo brasileiro,
Vosso
triunfo e valor;
Forme
a trindade da Pátria
Vosso
Augusto Imperador!
Eia,
pois, nação de bravos—
Ostentai
dote jucundo;
Sendo
sempre o vosso timbre
Defender
Pedro Segundo.
Aqui
mesmo tão distante
Jubilai,
Povo Barrense,
Esforçai
o Monarquismo
Do
bom povo maranhense...
Longe
vá o despotismo,
De
nós bem longe vá ter;
Seja
o emblema da Pátria
—
Independência ou morrer! —
Terminados assim o discurso e a poesia,
pelo Sr. Dr. Reinaldo Francisco de Moura, digno Juiz Municipal da comarca e
Delegado de polícia do termo, foram entoados do fundo de um peito puramente
brasileiro e liberal, os vivas, ao dia 7 de Setembro, à nação brasileira, a S.
M. I., e Sua Augusta Família, à Religião do Estado, à Constituição do Império e
ao Povo Barrense: vivas estes que foram unanimemente correspondidos;
finalizando o festejo nesta parte com as três descargas de tiros.
Assistiram ao Te-Deum os Srs. Dr. Juiz Municipal da comarca e Delegado do termo,
que presidiu a todos os atos; subdelegado em exercício, Henrique José de Meneses;
Juiz de Paz, Manoel Raimundo Maciel Parente; presidente da Câmara Municipal,
Antônio Pereira Ramos, e os respectivos membros, Damião Marques de Oliveira,
João Alves da Silva e Raimundo Manoel Pinto; o professor público de primeiras
letras e Agente das Coletorias, Francisco de Melo Albuquerque; o Diretor
parcial dos índios, João da Cunha Alcanfor; os Inspetores de quarteirões,
Manoel Francisco Miranda e Raimundo Nonato de Araújo Borboleta, todos com seus
distintivos; os cidadãos brasileiros adotivos, Antônio Manoel Pinto e Manoel
Antônio de Faria, e muitos outros cidadãos, e mais povo de um e outro sexo, que
a mencionarmos seus nomes, seria um nunca acabar.
Também assistiram ao Te-Deum, entre outras famílias, a do Dr.
Juiz Municipal, dos Tabeliães Abreu e Leão, do Professor Público, do Diretor
dos Índios, e muitas outras senhoras em cujos peitos pulula o amor da Pátria. À
noite houve grande passeata.
Deixaram de assistir e de tomar parte
no festejo os Srs. Drs. Juiz de Direito da comarca e o Promotor Público, por se
acharem em serviço na vila da Chapada.
À uma hora da tarde do dia 7, uma salva
de 21 tiros, como às 5 da manhã, fazia recordar ao Povo Barrense que grande e
memorável é o dia que se festeja. Em falta de uma perfeita banda de música,
organizou-se uma pequena harmonia, cujos instrumentos foram habilmente
executados pelos cidadãos Thomaz Gomes de Aquino, cego desde a infância, é de
uma habilidade rara para diversos instrumentos; Cipriano José dos Reis, pelo
cidadão Antônio Monteiro, os quais tocavam os alegres hinos da Independência, e
Pedro II e outras peças de música. O pavilhão nacional foi pintado pelo
tabelião Abreu, assim como foi quem armou o trono, e pintou o transparente com
a legenda.
A Barra do Corda, que ainda em 1847 era
uma rústica freguesia, filial da vila da Chapada, é hoje, sem exageração, a
melhor das vilas do interior da província; já pelo clima salubre, e já por
outras proporções que a tornam credora de tal menção.
Além dos tabeliães Abreu e Leão,
concorreram e influíram para o festejo os Srs. João da Cunha Alcanfor,
Frederico Augusto de Sousa, Manoel Carlos da Silva, Francisco de Melo
Albuquerque, Manoel Francisco de Miranda, Faustino Joaquim Rodrigues, Henriques
José de Menezes, Manoel Alves da Silva, Odorico Valcacer d’Oliveira, Raimundo
Manoel Pinto e Manoel Raimundo Maciel Parente; este ancião sobre o ser
respeitável em todo o sentido, é um dos que ajudou o Sr. Manoel Rodrigues de
Melo Uchoa, na árdua tarefa do descobrimento e povoação do lugar da Barra do
Corda.
Não podemos deixar de estampar algumas
débeis, porém sinceras expressões, como manifestação da saudade e sentimento,
por que passamos durante o nosso festejo, por estar ausente o nosso dedicado e
prestante amigo, o Sr. Tenente Coronel João da Costa Alecrim, um dos mártires
da nossa emancipação política, restaurador de Caxias do despótico domínio do
execrando Fidié.”
***
Este registro se mostra de alto valor
histórico, entre outros motivos, por traçar um quadro geral das primeiras figuras
e autoridades que compunham a recém-instalada Vila de Santa Cruz de Barra do
Corda; por propalar nosso primeiro gentílico (Povo Barrense); e, é claro, por
demonstrar que uma simples data, como o 7 de Setembro, é capaz de unir, pelo mesmo sentimento
patriótico e progressista, personalidades tão antagônicas e adversários políticos
“figadais”, como ficou demonstrado na história de Barra do Corda. Enfim, um
chamado à reflexão.
[1] Ferve o trabalho. Expressão
virgiliana para descrever a atividade das abelhas no cortiço.
[2] Expressão tirada do Hino
sacro de ação de graças que começa com Te
Deum laudamus (A ti, ó Deus, louvamos) e é atribuído a Santo Ambrósio, ou a
este e a Santo Agostinho. Aqui, aplica-se à inteira solenidade religiosa e
pública em ação de graças.
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